Da Consulta
Trata-se do uso de morfina de maneira rotineira nos serviços de urgência e emergência.
Do Parecer
Transcrevemos, abaixo, o parecer da Câmara Técnica de Emergências, formada pelos Senhores Doutores Antônio Rogério P. Tavares Crespo, Charly Fernando Genro Camargo, João Albino Potrich, Luiz Alexandre Alegretti Borges e Sérgio Luis Amantea:
“A Câmara Técnica de Emergências informa que:
A morfina é um fármaco narcótico do grupo dos opióides (derivado da cápsula da papoula – Papaver somniferum), amplamente utilizado na prática médica, principalmente como analgésico potente.
Sua administração produz efeitos fisiológicos, mediados, particularmente, por ligações a receptores específicos medulares e cerebrais, cada um com ações específicas. Existem pelo menos três tipos de receptores opióides, designados pelas letras do alfabeto grego: µ, κ e σ. A estimulação dos receptores µ produz analgesia, euforia, constipação, depressão respiratória e relaxamento da musculatura lisa. A estimulação dos receptores κ produz sedação e constrição pupilar. Os receptores σ produzem disforia, delírio e alucinações. (1)
Numerosos estudos têm demonstrado que este fármaco é menos utilizado como analgésico quanto deveria, como em pacientes portadores de situações que incluem pós-operatórios, grandes queimados e também nas emergências. No levantamento das razões da subutilização figuram, entre outras, o desconhecimento da farmacodinâmica da droga, o temor da indução de dependência química ou ainda, da produção de efeitos colaterais, tais como depressão respiratória, que pode colocar em risco a vida dos pacientes. (2, 3)
A literatura médica condiciona a administração da morfina como analgésico à gradação da intensidade da dor, obtida através da aplicação das chamadas escalas de avaliação da dor: escalas numérica, numérica com correspondência às respostas verbais ou a comportamentos não-verbais, ou ainda, escala visual analógica. O exemplo de escala contido na Tabela 1 combina a escala qualitativa e a numérica, o que bem expressa o nível de dor observado no paciente. As recomendações apontam para o escore igual ou maior que sete (7) da escala numérica da dor ou correspondente como marco que autoriza a utilização do fármaco com fins analgésicos. (1, 2, 3, 4)
Para escores que antecedem este marco, a literatura indica utilização de outras drogas, a saber: analgésicos comuns (paracetamol, ácido acetilsalicílico), antiinflamatórios não-esteróides e opióides fracos (tramadol e codeína).
TABELA 1
Intensidade da Dor Escala Verbal Comportamentos não-verbais
0 Sem dor Relaxamento, expressão calma
1 – 2 Dor leve Expressão tensa, estressado
3 – 4 Dor média Movimentos de defesa
5 – 6 Dor moderada Agitação
7 – 8 Dor severa Choro
9 – 10 Dor excruciante Fácies de tristeza, choro e agitação
Adaptada: MCPHEE, S.J PAPADAKIS, M.A. 2008 Current. Medical Diagnosis & Treatment. Mc Graw Hill-Lange. 47th Ed, New York. 2008
Situações clínicas ou traumáticas que têm a dor como um dos sintomas, senão o principal podem ser tratadas com morfina, ainda que o diagnóstico definitivo permaneça obscuro. Além disso, o fármaco tem outras aplicações clássicas, não relacionadas à dor, por exemplo, no edema agudo de pulmão, cuja aplicação busca os efeitos de sedação e de vasodilatação periférica.
Cabe ainda especial referência à utilização de morfina em adictos, que freqüentemente buscam as emergências no intuito de obter doses da droga.
A suspeita de dependência química da droga deve ser bem documentada e todo o “staff” médico que atua na emergência deve ser informado. Entretanto, ao paciente que procura repetidas vezes o serviço e simula quadros de dor, deve se garantir o benefício da dúvida, com disponibilização da droga até que a dependência seja efetivamente comprovada e, neste caso, deve-se oferecer a oportunidade de desintoxicação, na própria instituição ou em serviço de referência. (2, 5)
É o parecer.
Referências Bibliográficas:
1. MARINO, P. Compêndio de UTI. 2ª Ed. Artmed.
2. MARX, J. A. HOCKBERGER, R.S. WALLS, R.M. Rosen’s Emergency Medicine. 5th Ed. v. 3 Mosby.
3. MCPHEE, S.J., PAPADAKIS, M.A. 2008 Current Medical Diagnosis & Treatment. Mc Graw Hill-Lange. 47th
4. GALLAGHER, E.J. et all. Randomized Clinical Trial of Morphine in Acute Abdominal Pain. Ann Emerg. Med. 2006;48:150-160.
5. Consenso da OMS Utilização de Morfina. 1997.