Vem para exame expediente relativo à requisição judicial de
documentos relativos a paciente portadora de doença sexualmente transmissível.
O L.C.R. – reiterou solicitação de remessa da ficha de
controle de doenças sexualmente transmissíveis e os demais documentos relativos
a paciente segurada da A.
A consulente havia exposto anteriormente a inviabilidade do
atendimento, em razão do direito constitucional à imagem e da quebra do sigilo
médico que a solicitação primitiva ensejaria.
O magistrado despachou no sentido de que os autores – ao que
se supõe familiares da paciente segurada – não haviam manifestado oposição e
ainda declarou o processo sob Segredo de Justiça.
O parecer da Assessoria Jurídica da Secretaria da Saúde foi
no sentido da necessidade de obediência à requisição judicial.
A questão é assaz controvertida, porque põe em choque, de um
lado, o direito do paciente à privacidade, de outro, as disposições do Código
de Ética Médica que impedem o médico de revelar a patologia do paciente, a não
ser com o seu consentimento expresso, e, ainda, as disposições da lei
processual sobre a prova em juízo.
De fato, a Constituição Federal assegura como direito
fundamental o direito à privacidade e à imagem – art. 5º. Por outro lado, e até
como decorrência desse direito constitucionalmente garantido, há a disposição –
vinculativa, porque tem força de lei – do Código de Ética Médica que veda a
divulgação de qualquer fato sem a autorização expressa do paciente – art. 102.
Tal vedação persiste até mesmo APÓS O FALECIMENTO DO PACIENTE ( § único).
O aludido CEM tem força de lei, porque previsto
expressamente na Lei 3268/57 e seu Decreto regulamentador – D.n.º 44.045/58.
Assim tem entendido também o Supremo Tribunal Federal.
A propósito do tema da possibilidade de requisição judicial
de prontuários ou documentos médicos, assim já se manifestou o Pretório
Excelso:
“EMENTA – Segredo profissional. Constitui constrangimento
ilegal a exigência da revelação do sigilo e apresentação de anotações
constantes das clínicas e hospitais. HABEAS-CORPUS CONCEDIDO’.
(HC n.º 39.308 – SP – Rel. Min. PEDRO CHAVES – Sessão
Plenária de 19 de setembro de 1962)
Em momento posterior, a mesma Corte entendeu que o sigilo
profissional NÃO É ABSOLUTO, devendo a matéria ser examinada caso a caso,
observando-se a necessidade absoluta de colheita de prova – Recurso
Extraordinário n.º 91.218 – SP – Segunda Turma – Rel. Min. DJACI FALCÃO.
Nesse último pronunciamento, o STF estabeleceu a distinção
entre necessidade de mantença do sigilo médico e o interesse público na
obtenção da prova. No caso, concedeu a ordem porque o médico – Diretor do
Hospital – pusera à disposição de peritos judiciais os documentos e o magistrado
não contente com isso, REQUISITOU OS DOCUMENTOS. Ou seja, a prova podia ser
obtida por meios outros QUE NÃO A APRESENTAÇÃO EM JUÍZO DE DOCUMENTOS COBERTOS
PELO SIGILO MÉDICO, PONTO CRUCIAL DA RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE.
Eis aí, afigura-se-me, o ponto nodal da questão posta aqui
em exame. A paciente tinha direito constitucional à privacidade e o médico tem
o DEVER LEGAL de manter o sigilo, MESMO APÓS A MORTE DO PACIENTE.
A justa causa a que se refere a lei, para a revelação do
segredo NÃO ESTÁ PRESENTE. A SIDA, ou AIDS é doença de comunicação obrigatória,
MAS APENAS PARA EFEITOS ESTATÍSTICOS E DE CONTROLE, SEM IDENTIFICAÇÃO DO
PACIENTE E SEM DIVULGAÇÃO DO SEU QUADRO.
Pelo que se constata do expediente, cuida-se de ação cível
movida contra seguradora, que pede tal prova para demonstrar que a paciente era
sabedora da sua condição ao firmar o contrato de seguro.
Sem ingressar no campo difícil acerca do comportamento das
seguradoras que NUNCA PEDEM QUALQUER EXAME AO SEGURADO e após o seu falecimento
vasculham-lhe a vida para flagrar prévio conhecimento de doença e assim recusar
o pagamento do seguro, o fato é que a questão PODE PERFEITAMENTE SER DIRIMIDA
sem a necessidade da apresentação em juízo do prontuário ou de fichas médicas,
reveladores de toda a patologia do paciente. Bastaria, “data venia”, fosse
posto o material à disposição de PERITO MÉDICO, que também fica jungido ao
sigilo médico, e este responderia, à vista dos documentos, aos quesitos das
partes, ou seja, o conhecimento da paciente acerca de sua condição, quando isso
se deu, etc… Com isso, a questão probatória essencial estaria resolvida, SEM
A NECESSIDADE DA EVIDENTE QUEBRA DO SIGILO MÉDICO QUE A REQUISIÇÃO, NOS TERMOS
EM QUE FOI POSTA, ACARRETA. O segredo de justiça, “data venia”, não afasta o
conhecimento de pessoas estranhas às circunstâncias de evolução da doença, SÓ
CONHECÍVEIS PELO PACIENTE E POR SEU MÉDICO ASSISTENTE.
OPINO, pois, no sentido de que É ILEGAL A REQUISIÇÃO
JUDICIAL DE DOCUMENTOS MÉDICOS QUANDO HÁ OUTROS MEIOS DE OBTENÇÃO DA INFORMAÇÃO
NECESSÁRIA COMO PROVA.
É o parecer.
Porto Alegre, 03 de janeiro de 2000
JORGE A. PERRONE DE OLIVEIRA
CONSULTOR JURÍDICO
Parecer aprovado pela diretoria do CREMERS em 03/01/2000.