*Reprodução da Agência Lupa.
Circula por grupos de WhatsApp um áudio com uma série de denúncias sobre algumas vacinas contra o novo coronavírus. Ao longo de 11 minutos, o autor fala sobre a morte de cachorros usados para testes na Inglaterra e diz que vacinas da Austrália “têm HIV”. Na mensagem, o homem que diz ter experiência na área de diagnóstico médico também afirma que o SARS-Cov-2 “é um vírus fajuto que ninguém conseguiu isolar” e que não tem sintomas definidos. O áudio termina com o autor afirmando que os testes PCR, para diagnóstico da Covid-19, não funcionam. Por WhatsApp, leitores da Lupa sugeriram que esse conteúdo fosse analisado.
“Na Inglaterra, fizeram estudos com animais, cachorros, uns meses atrás. E vacinaram 20 cachorros. Os outros 20 não vacinaram. Os 20 que não vacinaram passaram bem, continuaram, não morreram. E todos os 20 que vacinaram morreram. É a mesma vacina que eles estão usando, é a mesma.”
Áudio que circula em grupos de WhatsApp
Não existe, até o momento, nenhuma publicação científica que mostre estudos de vacinas contra a Covid-19 em cachorros na Inglaterra. De acordo com especialistas ouvidos pela Lupa, não é uma praxe, entre a comunidade científica, testar imunizantes em cachorros. Carlos R. Zárate-Bladés, pesquisador do Laboratório de Imunorregulação da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) explica que, em geral, testes são feitos primeiro em roedores. “Normalmente camundongos. Algumas vezes, passa-se a usar roedores maiores, como coelhos, por exemplo. Depois, se possível, testa-se em macacos. Mas cachorros não são uma praxe”, afirmou, por telefone.
O uso de animais em desenvolvimento de medicamentos ou vacinas ocorre na fase de testes pré-clínicos. Se os resultados dessa fase são promissores e seguros, aí sim começam os testes em seres humanos. “Se realmente tivessem matado os cães, o estudo não prosseguiria. Nenhuma agência reguladora iria permitir que algo que foi maléfico em um modelo animal prosseguisse para seres humanos. É para isso que se usam modelos animais: se dá um problema, supõe-se que pode dar o mesmo problema em seres humanos”, explicou Aguinaldo R. Pinto, professor titular do Departamento de Microbiologia, Imunologia e Parasitologia da UFSC.
“Na Austrália, o governo cancelou a vacinação em massa, um programa de 300 milhões de dólares que eles tinham começado antes de agora terem encontrado HIV em todas as vacinas, coisa que eu já vinha falando há muito tempo.”
Áudio que circula em grupos de WhatsApp
Não é verdade que o governo australiano tenha cancelado campanha de vacinação em massa de sua população. Na verdade, o país planeja começar a imunização a partir de meados de fevereiro. Em 7 de janeiro, o governo publicou a estratégia nacional de vacinação, que começará em profissionais da saúde e idosos. No momento, a Austrália tem acordos com quatro biofarmacêuticas: AstraZeneca / Universidade de Oxford, Novavax, Pfizer/BioNTech e Covax Facility. A primeira vacina a ser aplicada será a da Pfizer, cuja aprovação está prevista para final de janeiro.
De acordo com o Departamento de Saúde, o país investiu 363 milhões de dólares para apoiar a pesquisa e o desenvolvimento de vacinas em todo mundo. Também investiu 3,3 bilhões de dólares em candidatas promissoras, entre elas as quatro com as quais já tem acordo.
Também não é verdade que foi encontrado o vírus HIV em todas as vacinas da Austrália. Diferentemente do que afirma o áudio, uma candidata australiana da vacina teve os estudos interrompidos em dezembro porque, após a primeira fase de testes, gerou anticorpos para o HIV em alguns participantes. De acordo com a Universidade de Quensland e a farmacêutica CSL, foram realizados mais testes para averiguar a possível presença do vírus nesses participantes. Essa hipótese foi descartada pelos pesquisadores.
“Agora tem essa versão aí com HIV e com outros produtos para causar infertilidade. Toda a comunidade científica internacional já sabe disso.”
Áudio que circula em grupos de WhatsApp
Como explicado acima, não é verdade que existem vacinas com HIV. Na Austrália, a Universidade de Queensland e a farmacêutica CSL interromperam as pesquisas da vacina UQ-CSL v451 porque alguns voluntários apresentaram anticorpos para o HIV, que foram detectados em testes. Isso não quer dizer, entretanto, que a vacina — que não passou da fase 1 de testes — contenha HIV em sua formulação. Análises feitas pelos pesquisadores comprovaram que não houve infecção pelo vírus. Essa vacina, especificamente, foi descartada.
Também não procede a informação de que as vacinas tenham produtos em sua fórmula que causam infertilidade. Até o momento, não existem evidências científicas que comprovem que os imunizantes em desenvolvimento podem afetar o sistema reprodutor feminino ou masculino.
Como já explicado pela Lupa, em novembro de 2020 um estudo da Universidade de Miami abordou os efeitos da Covid-19 na fertilidade masculina — e não da vacina. Os pesquisadores da instituição demonstraram que o SARS-CoV-2 pode infectar o tecido testicular em alguns homens com a doença. Uma pesquisa para averiguar o efeito da vacina está em curso. Segundo um dos coordenadores do estudo, o médico Ranjith Ramasamy, com base no mecanismo pelo qual o mRNA atua, é improvável que as vacinas da Covid-19 tenham impacto na fertilidade masculina.
Também não há evidências de que as vacinas podem causar infertilidade em mulheres. Em dezembro, uma peça de desinformação afirmou equivocadamente que a proteína Spike, presente no coronavírus e usada como base em alguns tipos de vacina contra a Covid-19, era igual à sincitina-1 — essa proteína é produzida pelo corpo humano e é importante para a adesão da placenta. No entanto, estudos sobre a spike, como o publicado pela revista Nature em agosto do ano passado, sequer mencionam a possibilidade de essa substância ocasionar alguma reação cruzada com alguma outra proteína humana.
“Essa da Pfizer, os diretores são chineses. Os acionistas da Pfizer são chineses. Os da Moderna também, da GlaxoSmithKline também”
Áudio que circula em grupos de WhatsApp
A biofarmacêutica Pfizer é uma multinacional norte-americana de capital aberto. Atualmente, os 10 principais sócios da companhia são grupos de investimentos dos Estados Unidos, entre eles Vanguard Group, SSgA Funds Management e BlackRock Fund Advisors. Da mesma forma, os principais acionistas da Moderna Therapeutics, fundada e sediada nos Estados Unidos, também são grupos de investimentos americanos.
Já a farmacêutica GlaxoSmithKline é de origem britânica, mas tem, entre os principais acionistas, empresas americanas de investimentos, como a Dodge & Cox. A Lupa já verificou conteúdo semelhante em dezembro.
“Então não adianta, não existe vacina por uma coisa tão fajuta como esse vírus que ninguém conseguiu isolar. (…) Viram in vitro, mas ninguém pegou um paciente que morreu, fizeram a autópsia e ‘tá aqui o vírus’. Porque não vai achar. Como eles fazem uma vacina para a população tomar se eles não sabem nem o que estão fazendo, que é só baseado em sintomas, são só sintomas. Não tem um grupo de sintomas (…).
Áudio que circula em grupos de WhatsApp
O áudio analisado pela Lupa é falso. O agente etiológico do coronavírus, ou seja, o agente causador da doença, foi identificado e caracterizado ainda em janeiro de 2020, menos de um mês depois de serem notificados os primeiros casos em Wuhan, na China. Em 11 de janeiro, pesquisadores chineses já tinham a sequência genética do vírus. Em 11 de fevereiro, o vírus recebeu o nome de SARS-Cov-2. No Brasil, o sequenciamento do genoma do coronavírus foi feito já em fevereiro de 2020, pouco tempo depois do primeiro relato no país.
“Esse sequenciamento é feito também para identificar as infecções. O interesse é ver as linhagens do vírus que estão circulando, por onde estão se espalhando. Isso quer dizer que o sequenciamento não é feito só uma vez, mas repetidas vezes e em vários países”, explicou, por telefone, a médica epidemiologista e professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Ana Luiza Curi Hallal.
Também não é verdade que a Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus, não tenha um grupo de sintomas específicos. Existe, sim, um grupo de sintomas característicos. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), febre, tosse seca e cansaço são os mais comuns. Outros sinais são dor de garganta, diarreia, dor de cabeça e perda de olfato e paladar. Dificuldade para respirar, pressão no peito e perda da fala e de movimentos são sintomas graves da doença.
No Brasil, o Ministério da Saúde indicou um manual de orientações técnicas para atendimento e diagnóstico da Covid-19 em todos os estados. “Tanto que existe uma definição oficial para casos suspeitos. Ao confirmar, por critério de exame laboratorial ou exame de imagem específico, por exemplo, aí então o caso entra na base de dados”, disse a epidemiologista Ana Luiza Curi Hallal.
“Não tomando a vacina, tu tem 99,7% de chance de sobreviver. Até mais que isso. Se tu tomar hidroxicloroquina, ivermectina e zinco, esses coquetéis, tu tem 99,9%, para não dizer 100%, depende das tuas circunstancias fisiológicas no momento”
Áudio que circula em grupos de WhatsApp
O áudio analisado pela Lupa é falso. De acordo com instituições internacionais, como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos (NHI, na sigla em inglês), não há, até o momento, medicamentos que comprovadamente reduzem o risco de infecção pela Covid-19.
No último domingo (17), a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT) se manifestou publicamente acerca do colapso do sistema de saúde no Amazonas e também sobre o tratamento precoce da doença. Segundo a instituição, não existem dados conclusivos sobre a eficácia e segurança de fármacos como ivermectina, nitazoxanide, cloroquina ou hidroxicloroquina para tratamento ou profilaxia da Covid-19. “Alertamos que até o presente momento não existe tratamento farmacológico precoce da Covid-19 com eficácia e segurança comprovada”, diz o documento.
Conforme já explicado pela Lupa, diversos estudos publicados já comprovaram que não há eficácia da hidroxicloroquina no tratamento da Covid-19. Um exemplo é o Recovery Trial, coordenado pela Universidade de Oxford, que suspendeu testes em junho com o remédio ao notar que ele não mostrou benefício no tratamento da doença. Em julho, a iniciativa Solidarity Trial, coordenado pela OMS, encerou testes com a hidroxicloroquina. Um estudo brasileiro, publicado em novembro no periódico New England Journal of Medicine, também comprovou que a hidroxicloroquina é ineficaz no tratamento de casos leves e moderados da Covid-19.
“O próprio HIV foi criado em laboratório, isso já se sabe também e já vão ser liberadas essas informações também (…).”
Áudio que circula em grupos de WhatsApp
O áudio analisado pela Lupa é falso. O vírus HIV, causador da Aids, foi identificado pela primeira vez em humanos nos anos 1920 na região da atual República Democrática do Congo. Em 1999, pesquisadores encontraram uma cepa de SIV (chamada SIVcpz) em um chimpanzé que era quase idêntica ao HIV em humanos, indicando que a origem do vírus é animal. Em 2006, outro estudo publicado na revista Science corroborou com a hipótese.
De acordo com a organização Avert – Informação e Educação global sobre HIV, o contágio em seres humanos se deu a partir de chimpanzés portadores do Vírus da Imunodeficiência Simian (SIV), um vírus intimamente relacionado ao HIV, que foram caçados e comidos por moradores locais.
“O teste do PCR é totalmente falso. Quem tiver alguma dúvida no teste do PCR, ele não foi feito pra isso, ele testa um cromossomo, não testa nada de vírus, desse aí. A pessoa tá com resfriado dá positivo, uma mão dá positivo, a Coca-Cola dá positivo, o abacaxi dá positivo. Tudo dá positivo. O PCR é só para aumentar os números. E para justificar a quarentena, justificar as vacinas e botar medo nas pessoas. Tomara que muita gente tome essa vacina porque o mundo precisa se libertar desses ignorantes que a gente tem aí no Brasil.”
Áudio que circula em grupos de WhatsApp
O áudio analisado pela Lupa é falso. O teste RT-PCR (Reação de Transcriptase Reversa seguida de Reação em Cadeia da Polimerase, em tradução da sigla em inglês), também conhecido como teste molecular, identifica a presença do ácido ribonucleico (RNA) viral do SARS-CoV-2. É um dos dois principais exames para identificar a infecção pelo novo coronavírus. De acordo com o Ministério da Saúde, se feito na janela de tempo correta, a eficácia é acima de 90%. “O teste PCR vê o material genético e, portanto, é o melhor teste para identificar a doença. Tem acurácia acima de 90% e é raro dar um falso positivo”, confirma a médica e professora da UFSC Ana Luiza Curi Hallal.
Recomenda-se que esse teste seja feito no início da doença, especialmente na primeira semana, quando se tem grande quantidade do vírus Sars-CoV-2 no organismo. As amostras são coletadas por meio de swabs (cotonetes) de nasofaringe (nariz) e orofaringe (garganta).
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