*Eduardo Neubarth Trindade
A frieza e a burocracia da regulação do atendimento à saúde são chagas na sociedade brasileira e atingem, sobretudo, as camadas mais carentes e periféricas. Quem consegue romper a barreira da falta de acesso enfrenta outro suplício: a busca por atendimento especializado em diversas esferas da saúde. É uma violência contra o paciente.
Um labirinto de burocracia impede a entrada do paciente no sistema de saúde. Mil e um obstáculos lhe são impostos até conseguir os cuidados de que necessita. Meses se passam até que ele chegue ao cirurgião, ao psiquiatra, ao oftalmologista que ajudarão em seu processo de recuperação. Que reflexo isso causa na vida de um doente crônico? De um acidentado? De um paciente com obesidade mórbida? Se uma pessoa com esse quadro tem tamanha dificuldade, o que dizer do resto? É preciso que o acesso seja revisto urgentemente.
O atendimento deveria ser natural, seguir um fluxo lógico. Um politraumatizado não pode apenas ter seus ferimentos costurados e ser mandado para casa. Ele precisa de toda uma rede de apoio. Uma rede – no sentido quase pictórico da palavra, de um conjunto de linhas que se entrelaçam para formar uma estrutura – que garanta tratamento não só para as sequelas físicas, mas também emocionais, sociais e econômicas, e facilite seu retorno como membro produtivo da sociedade.
Agora, vamos imaginar o que será de outros públicos que necessitarão de atenção global nos próximos meses: sequelados da Covid-19, pacientes oncológicos agravados que adiaram seu tratamento e, agora, formam uma massa de demanda reprimida. Se não revisarmos a burocracia, se não lançarmos mão da telemedicina bem regulamentada, se não investirmos na capilaridade da rede, se não tivermos sensibilidade para avaliar cada caso, teremos um quadro ainda mais sombrio para os demais cidadãos.
Mais do que nunca, o momento é de unir esforços e intelectos para quebrar essas barreiras e garantir que cada paciente, cada sobrevivente, não fique preso em um ciclo de violência eternizado pela inoperância do sistema.* Doutor em Medicina, professor universitário e vice-presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado