
As emergências hospitalares no Rio Grande do Sul vivem um colapso anunciado. Superlotadas, sem equipes fixas e com escalas instáveis, tornaram-se símbolo de um modelo de gestão que terceiriza não apenas os serviços, mas também a responsabilidade pela saúde pública.
Os governos municipais e estadual vêm adotando, com preocupante naturalidade, a terceirização da contratação de médicos e demais profissionais da saúde. Empresas intermediárias assumem esse papel, muitas vezes impondo vínculos precários por meio de Pessoa Jurídica, sem qualquer relação formal com os hospitais. Perde-se, assim, a continuidade, o comprometimento e o senso de pertencimento das equipes.
Esse modelo de contratação, além de fragilizar juridicamente os profissionais, precariza a assistência. Emergências passam a operar com alta rotatividade, escalas incompletas e ausência de responsabilidade direta dos gestores. A consequência recai, como sempre, sobre a população: aumento no tempo de espera, sobrecarga dos profissionais e queda na qualidade do atendimento.
É inaceitável que, diante de uma crise sanitária persistente e de tantas demandas sociais, a resposta dos governos seja a terceirização generalizada e a omissão na fiscalização da assistência. A saúde pública exige planejamento, vínculos sólidos, equipes estáveis e valorização efetiva dos profissionais.
Mais do que medidas pontuais, o Brasil precisa de projetos de Estado para a saúde, e não apenas de iniciativas transitórias de governo. Políticas públicas sustentáveis devem transcender ciclos eleitorais e garantir continuidade, estrutura e dignidade ao atendimento em saúde.
Superlotação não se resolve com discursos. Exige coragem política, investimento e responsabilidade. A terceirização da mão de obra pode parecer uma solução em curto prazo — mas, no longo prazo, é a saúde das pessoas que paga a conta. Com sofrimento. E, por vezes, com a própria vida.
*Eduardo Neubarth Trindade
*Professor da Medicina da Ufrgs e vice-presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio Grande do Sul (Cremers)
(Artigo publicado na edição de Zero Hora desta quarta-feira, 9 de julho)