*Dr. Eduardo Neubarth Trindade
O caos na rede de saúde pública não é novidade para ninguém. Apesar dos protestos de gestores alegando surpresa diante da gravidade das mais diversas situações, a crise é tão longa e abrangente que quase se tornou parte da paisagem. Invisível. Mas dói em quem depende do sistema – e, aqui, médicos e pacientes sofrem juntos.
Longas filas de espera por consultas e exames, superlotação de hospitais, falta de leitos, grande demanda por equipamentos e medicamentos, desigualdade na distribuição de médicos, limitação de investimentos em áreas estratégicas, desigualdade no acesso, na oferta e na qualidade dos serviços. As irregularidades que levaram a esse quadro têm uma origem comum: a gestão.
De algumas décadas para cá, a gestão parece ser entendida como um malabarismo, um equilibrar de pratos que estão girando, periclitantes. Tenta-se esticar o cobertor curto de recursos públicos, sabendo-se que ele jamais cobrirá todas as pontas. No afã de apagar incêndios que não param de surgir, ninguém toma conta do aspecto fundamental que poderia evitar – ou amenizar – a catástrofe: planejamento.
Os gestores estão começando pelo fim, tentando dar vazão à superlotação instalada, à fragilidade da rede pública, à falta de assistência que isso acarreta. Se começassem pelo início, analisando a conjuntura do atendimento, estabelecendo fluxos a partir de dados concretos e alocando os recursos onde eles fazem mais falta – ou seja, planejando –, poderíamos vislumbrar uma saída para a crise.
Um aspecto do planejamento que precisa ser levado em conta é a assimetria de informações –Essa teoria econômica afirma que, quando uma das partes tem mais ou melhores dados sobre um produto ou serviço do que outra, é criada uma discrepância que pode resultar em desequilíbrio. Extrapolada para outros setores da sociedade, como a saúde, a ideia serve tanto para lançar luz sobre problemas quanto para apontar soluções.
Parte do problema do atendimento médico na rede pública pode ser a grande assimetria informacional entre o contingente de pessoas que o procuram e os recursos necessários para assisti-las.
Existe escassez de recursos versus demanda de pacientes. O contingente de pacientes que procuram o sistema de saúde não vai conseguir atendimento, e sem informação qualificada sobre a alocação de recursos, vai acabar prejudicando aqueles que realmente precisam de atendimento médico especializado. E quem detém o conhecimento do fluxo é quem pode tomar decisões devidamente orientadas por essas variáveis, de modo a otimizar a eficiência da alocação do recurso escasso.
É preciso identificar as variáveis determinantes para decidir quais pacientes devem ser selecionados para chegar à ponta final e em que momento isso deve acontecer. O médico, que no seu trabalho também não tem as informações completas de onde estão os recursos, acaba por não ter opção resolutiva para encaminhar seu paciente.
A solução, portanto, pode ser o investimento em mecanismos que possibilitem aprimorar a tomada de decisão entre os que procuram atendimento e quem deve ser priorizado. A probabilidade indica que, aumentando a quantidade de dados analisados no início do processo, pode-se otimizar a chegada ao resultado, isto é, otimização de recursos e eficiência no atendimento.
O processo passaria pela formação de equipe para montar protocolo de intensa coleta e análise de dados, usando ferramentas estatísticas e, talvez, inteligência artificial. A equipe poderia desenhar panorama da situação atual e, a partir dele, montar proposição de mecanismo que, aplicado, deveria ser acompanhado e aprimorado até a otimização máxima de eficiência.
Começando por essa linha, é possível constatar se existe um ponto em que há maior demanda do que oferta e, a partir daí, seguir dois caminhos: se o problema for, de fato, maior demanda do que oferta, a solução é contratar mais médicos e investir em infraestrutura; se o problema for a discrepância entre disponibilidade de recursos e sua alocação, a resposta está nas informações levantadas, usando-as para distribuir adequadamente profissionais, equipamentos e estrutura.
O labirinto construído por burocracia, interesses questionáveis, falta efetiva de verbas e má alocação de recursos tem, em seu centro, um paciente desassistido. Essa construção é tão útil quanto um hospital de ponta sem equipe que o opere: bonito por fora em suas promessas lustrosas, mas vazio e não resolutivo por dentro. Um belo vaso oco.
O investimento eficiente em saúde passa, indissociavelmente, pelo investimento em informação. E onde se investe com inteligência, deixa-se de gastar mais adiante, e gasta-se de forma eficiente no que é necessário.
*Doutor em Medicina e presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio Grande do Sul (Cremers)