As entidades representativas da comunidade médica do Rio Grande do Sul, lideradas pelo Conselho Regional de Medicina (Cremers), Sindicato Médico (Simers) e Associação Médica (Amrigs), uniram-se para alertar a população sobre o provável enfraquecimento da assistência em saúde pública diante da possibilidade de aprovação de projeto de lei que autoriza a realização emergencial do Revalida, o Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos Expedidos por Instituições de Educação Superior Estrangeira.
Nas próximas semanas, a Câmara dos Deputados deve votar o projeto de lei 2.482/2020, que estabelece novos critérios e facilita a revalidação de diplomas no Brasil de profissionais médicos formados por instituições do exterior. O principal objetivo da proposta é incrementar o número de médicos atuantes no país, principalmente para o enfrentamento da pandemia do Coronavírus. Se aprovado na Câmara, vai para sanção do presidente da República, Jair Bolsonaro.
O chamado Revalida simplificado foi aprovado pelo Senado no dia 6 de agosto. A aprovação se deu por votação simbólica, com parecer favorável do relator.
A nova proposta não leva em consideração, entretanto, a precariedade da formação desses profissionais, revelada por dados do próprio Revalida. Desde a realização do primeiro exame, em 2011, foram contabilizados 22.447 candidatos. Destes, somente 4.465 foram aprovados, um índice que aponta que 80,1% dos inscritos não possui conhecimento suficiente para atuar com competência na linha de frente.
A última edição do Revalida foi em 2017 e contou com 7,3 mil inscritos, mas aprovou apenas 4,45% dos médicos formados no exterior (393 aprovados). O menor rigor nos requisitos para provas teóricas e práticas trará maior prejuízo à saúde da população devido à falta de competência técnica desses profissionais.
“Estamos passando por um momento de muita fragilidade, no qual enfrentamos uma pandemia mundial em um cenário onde já tínhamos um sistema de saúde pública conhecidamente defasado. Por isso, não podemos possibilitar uma queda ainda maior na qualidade do exercício da Medicina no Brasil ao custo de mais vidas”, afirmou o presidente do Cremers, Carlos Isaia Filho.
Brasileiros são maioria entre candidatos
Os cursos de Medicina são os mais disputados no Brasil. Conforme dados do Censo da Educação Superior (2018), a relação de candidatos por vaga em instituições privadas é de 13,06, e em públicas, o número sobe para 67,17. Isso faz com que brasileiros busquem inscrição em universidades estrangeiras, principalmente as de países vizinhos, como Argentina, Bolívia e Paraguai. Segundo o Ministério das Relações Exteriores, cerca de 65 mil brasileiros cursam Medicina em países vizinhos, em faculdades sem habilitação e em estruturas precárias.
“O temor é que o processo fosse transformado em um verdadeiro balcão de negócios, sem a devida preocupação com a qualidade da formação profissional. A Amrigs integra o grupo de entidades representativas que defendem um processo mais rigoroso e legal para a expedição de diplomas da área”, ressaltou o presidente da Amrigs, Alfredo Cantalice Neto.
Mensalidades baixas e falta de estrutura
Com mensalidades mais acessíveis, a formação em certas universidades de países vizinhos pode refletir em alto custo para a carreira do futuro médico, pois muitas vezes não estão autorizadas a conceder a habilitação e muito menos contam com uma estrutura adequada e hospitais-escola para a aprendizagem. É o caso da Universidade Privada del Guaira, de Pedro Juan Caballero, que funcionava de maneira irregular sem habilitação pelo governo paraguaio e também não contava sequer com morgue para estudos de Anatomia. A universidade cobrava mensalidades de apenas R$ 700 em 2019, e acumulava 200 alunos, sendo 90% deles brasileiros.
Em comparação às mensalidades no Brasil, por exemplo, o valor cobrado na instituição paraguaia é cinco vezes mais barato que o menor investimento mensal feito em uma universidade brasileira. Segundo o portal Escolas Médicas do Brasil, a menor mensalidade entre os cursos de Medicina disponíveis no país, nos dias atuais, é de R$ 3.641,24, no estado do Tocantins; a maior mensalidade chega a custar R$ 12.850,00, em São Paulo.
“Não podemos concordar que seja oferecido atendimento médico diferente ou inferior à população mais carente, enquanto temos médicos qualificados e formados em universidades brasileiras aptos e à disposição para trabalhar”, alerta o vice-presidente do Simers, Marcos Rovinski.
As entidades médicas do Rio Grande do Sul estão dispostas a dialogar com os parlamentares e a sociedade brasileira a fim de tratar o assunto com devida seriedade e transparência para esclarecer e desmentir quaisquer equívocos sobre a atuação da categoria durante a pandemia de Covid-19.