Não faz muito tempo que, quando se falava em saúde pública, era comum focar a atenção nos problemas que envolviam a saúde física da população, esquecendo que a saúde mental tem papel importante para uma boa qualidade de vida. Apenas mais recentemente, talvez em função dos avanços na Medicina convencional que têm aumentado a expectativa de vida de populações inteiras, a preocupação com a saúde mental dos indivíduos ganhou uma maior importância.
Transtornos psiquiátricos e doenças neurológicas, como o Alzheimer e o Parkinson, além de condições como estresse, uso de drogas e tantas outras que envolvem saúde mental, passaram a ser tratados também como prioridade pelas autoridades públicas. O Ministério da Saúde do Brasil estabeleceu, como parâmetro, um leito de saúde mental para cada 23 mil habitantes. Esse número foi determinado no contexto da Política Nacional de Saúde Mental, com base nas diretrizes da Reforma Psiquiátrica, que prioriza a atenção psicossocial e a desinstitucionalização (Portaria 3.088, de 23 de dezembro de 2011).
Considerando que a população atual do Rio Grande do Sul é de 10.882.965 habitantes (IBGE/CENSO2022) e que, segundo a Secretaria Estadual da Saúde (SES), o estado tem 2.104 leitos psiquiátricos, o RS conta com a relação de um leito psiquiátrico para cada 5.173 habitantes – ou seja, um número quase cinco vezes maior que o preconizado pelo Ministério da Saúde.
Ainda assim, e diante de uma demanda crescente que pressiona o sistema, essa estrutura causa preocupação. “Não é só ter o leito. É preciso que o paciente tenha tratamento, e isso não está acontecendo”, explica a psiquiatra Silzá Tramontina, conselheira coordenadora da Câmara Técnica de Psiquiatria do Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul. “Se considerarmos a equipe multidisciplinar que seria necessária a um tratamento adequado, temos um déficit importante”, justifica. “Tanto que os pronto-atendimentos em psiquiatria estão sempre lotados. Além disso, não temos leitos suficientes para crianças e adolescentes e nem para os dependentes químicos”, alerta.
O problema é agravado pela nova política determinada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) através da Resolução 487/2023, que instituiu a Política Antimanicomial do Poder Judiciário. Esta nova doutrina tem como objetivo garantir o tratamento que, segundo o órgão, seria o mais adequado para pessoas com transtornos mentais que cometeram crimes. A Resolução se alinha à Lei 10.216/2001, que determina que criminosos condenados que tenham doenças mentais ocupem leitos convencionais.
“Essa política nos preocupa bastante porque não há acompanhamento médico. Inclusive, no caso aqui do estado, a Justiça solicitou à Associação de Psiquiatria do Rio Grande do Sul (APRS) que indicasse especialistas para atuar como peritos forenses”, argumenta. “Somente o Instituto Psiquiátrico Forense (IPF) tem mais de três mil perícias atrasadas”, acrescenta.
Em reunião realizada na última sexta-feira (24) com a APRS, a diretoria do Cremers avaliou como atender à intimação sem expor desnecessariamente os associados, visto que nem todos são psiquiatras forenses. O presidente do Cremers, Eduardo Neubarth Trindade, esclareceu que a autarquia fornece os registros de médicos especialistas nas áreas adequadas sempre que a Justiça solicita a indicação de peritos. “Anexar listas de nomes a cada processo é contraproducente. O Poder Judiciário não dispõe de banco de psiquiatras forenses porque não faz concurso, além de oferecer uma remuneração aviltante”, ponderou. Disse, ainda, que o fechamento do IPF é mais um agravante desta crise.
No encontro, ficou acordado que que o Cremers vai agendar uma reunião com a presidência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul para esclarecer a intimação e para que o TJRS pressione o governo estadual a organizar concursos para peritos e a melhorar a remuneração. A questão da falta de psiquiatras forenses também será pautada na reunião mensal do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), da qual o Cremers participa regularmente.
Texto: Antônio Bavaresco
Edição: Viviane Schwäger