A atuação do médico como prestador de serviço constituído por Pessoa Jurídica (PJ) é um modelo que possivelmente continuará sendo prevalente, mas que precisa de organização coletiva para enfrentar a precarização dos contratos e problemas relacionados a atrasos e retenções de honorários.
Esta foi uma das principais conclusões da Audiência Pública de Pejotização e Retenção de Honorários Médicos, promovido pelo Cremesp. Realizado nos dias 1 e 2 de março de forma híbrida (presencial e online), o evento teve audiência de mais de 200 pessoas, e contou com a participação de representantes de alguns Conselhos de Medicina do País, de membros do sistema judiciário e de especialistas no assunto, entre outros.
O corregedor Carlos Isaia Filho representou o Cremers no evento. Na palestra proferida durante o primeiro dia do encontro, ele falou sobre o papel das glosas na retenção dos honorários médicos. “As glosas são sistemáticas, exigindo do médico, após ter seus honorários glosados, a necessidade de justificar o procedimento realizado, e aguardar a reavaliação, aumentando o tempo de retenção”, reclamou.
Os dois dias da Audiência Pública de Pejotização e Retenção de Honorários Médicos foram transmitidos ao vivo pelo canal do Cremesp no Youtube e estão disponíveis nos links abaixo:
1 de março – Retenção de Honorários Médicos
Pelo Cremesp, participaram dos trabalhos a presidente Irene Abramovich e o 1º secretário Angelo Vattimo; além dos coordenadores do Departamento de Comunicação, Wagmar Barbosa; do Departamento Jurídico, Joaquim Francisco Almeida Claro; e do Departamento de Fiscalização, Daniel Kishi. O advogado do Conselho paulista Samuel Henrique Delapria também apresentou palestra no evento.
A Audiência Pública contou também com a participação do presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado do Amazonas (Cremam), Emanuel Jorge Akel, do assessor jurídico do Conselho Federal de Medicina (CFM), Francisco Camargo; e do gestor do Departamento de Fiscalização do Exercício Profissional do Conselho Regional de Medicina do Estado do Paraná (CRM-PR), Carlos Roberto Naufel Júnior.
O evento também teve palestras da juíza diretora do Fórum Trabalhista da Zona Sul e titular da sexta vara do mesmo fórum, Ivone de Souza Toniolo Prado Queiroz; do juiz do Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Vara de Guarulhos – 2ª Região, Carlos Abener de Oliveira Rodrigues Filho; do presidente da Subseção de Santo Amaro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/SP), Alexandre Fanti; e do advogado especialista em direito empresarial, Nelson Freitas Zanzanelli.
Palestras 1º dia – Retenção de honorários
A retenção de honorários médicos foi o tema principal do primeiro dia de evento. Irene Abramovich abriu os trabalhos, enfatizando que, atualmente, os médicos praticamente não conseguem exercer a Medicina se não for dentro do modelo de constituição de PJ, que dentre os inúmeros problemas enfrentados sofrem também a retenção de honorários. “Em relação à pejotização, sabemos que eles não têm opção, ninguém mais é contratado pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). Mas, em relação aos honorários, está na hora de fezermos o diagnóstico certo sobre o que é retenção e o que é apropriação, para entendermos como isso funciona e propor a terapêutica”, destacou. “Este assunto aflige a todos os médicos, mas principalmente os mais novos”, afirmou, complementando que há queixas de médicos que deixaram de receber por três ou mais meses, devido à mudança da Organização Social (OS) que faz a gestão do hospital, entre outras justificativas.
Angelo Vattimo, que foi mediador do debate, apresentou um histórico sobre como a pejotização se constituiu no País, levantando alguns questionamentos sobre esse processo “Por que isso aconteceu? Porque os encargos trabalhistas se tornaram insustentáveis ou isso se estabeleceu com o intuito de burlar os direitos?”, questionou ele. “Essa situação criou conflitos eternos, e os contratos passaram a não ser muito claros, motivando este debate para auxiliar o médico a defender seus direitos”, afirmou Vattimo.
Samuel Henrique Delapria chamou a atenção para as omissões e falta de clareza dos contratos que os médicos precisam assinar para poder exercer a profissão. “O contrato muitas vezes se omite em relação à carga horária semanal ou mensal, a data de pagamento e quais são as penalidades, em caso de atraso de pagamento”, ressaltou. “Às vezes isso é cômodo; como é um contrato de adesão, o médico nem sempre participa disso e tem voz ativa”, observou.
O juiz Carlos Abener falou sobre a dificuldade de os médicos enfrentarem individualmente essa “guerra”, destacando a importância da organização coletiva, por meio de suas entidades de classe, como os Conselhos e sindicatos. “Ação de cobrança individual versus coletiva é minha reflexão diária: a importância que as entidades representativas têm, em termos de proteção do trabalhador”, destacou. “Para que haja equilíbrio, a pressão não cessa de um lado. A pressão contra empregadores organizados é dos trabalhadores organizados”, observou. Ele também condenou os atrasos dos honorários médicos. “O atraso nos pagamentos aos hospitais ou aos intermediários não é justificativa. O trabalhador tem de receber no seu prazo; a justificativa sobre a saúde financeira do grupo não recai sobre o empregado ou prestador do serviço; isso é risco do negócio O conceito de negócio é esse, quem é sócio sofre riscos de prejuízos, mas, ao mesmo tempo, se benificía dos lucros e dividendos”, completou.
Wagmar Barbosa destacou que “durante a formação, o médico aprende muitas coisas, mas praticamente nada sobre como vai receber seus honorários, como vai se relacionar com seus pacientes ou com as instituições, quando for exposto ao mercado de trabalho”.
Pejotização
O conselheiro Daniel Kishi mediou os trabalhos do segundo dia do evento, que tratou do tema Pejotização. De acordo com ele, a pejotização é uma tendência irreversível. “Algo que muito aflige a área médica e traz riscos à população é a questão de retenção de honorários, que chamamos de calote. Muitos colegas acabam sofrendo calotes, e as unidades sob gestão de OSs ou de hospitais particulares começam a não ter médicos capacitados, causando grande dano ao atendimento do paciente, sendo um tema diretamente relacionado à questão ética”, explicou Kishi .
O advogado Nelson Freitas Zanzanelli apresentou palestras sobre os fundamentos do direito empresarial, abordando assuntos como as sociedades personificadas e despersonificadas, esclarecendo algumas diferenças sobre as responsabilidades para os médicos que trabalham como prestadores de serviços e aqueles que atuam como empresários.
Alexandre Fanti, da OAB de Santo Amaro, falou, entre outros assuntos, sobre os valores que deixam de ser recolhidos devido à pejotização, tais como fundo de garantia, pagamentos de horas extras e férias, que refletem na remuneração.“A pejotização é vendida, principalmente ao profissional médico, como um benefício fiscal que vai trazer economia tributária para todo mundo”, afirmou. Entretanto, esse regime deixa o profissional desprotegido quando ele precisa, por exemplo, quando fica doente”, lembrou ele.
Carlos Roberto Naufel Júnior; do CRM-PR, destacou ser importante ter aqueles que atuam no sistema conselhal orientando os médicos, principalmente os mais novos, “sobre os riscos de se estabelecer sociedades, sem conseguirem interpretar corretamente os contratos”, devido à falta de formação sobre o assunto.
Emanuel Jorge Akel, do Cremam, reforçou as colocações sobre a falta de formação do médico para melhor gerir os seus contratos, sendo esse um conhecimento necessário para que o profissional de Medicina possa administrar a sua vida.
Francisco Camargo, do CFM; que fez uma explanação histórica sobre a evolução das leis e dos direitos da sociedade, chegando ao reconhecimento da Pessoa Jurídica como prestador de serviços; e dos desafios inerentes a essa modalidade de contratação de médicos para que possa buscar uma relação mais justa.
Ivone Prado Queiroz abordou alguns aspectos que os chamados PJs têm, em termos de relação de trabalho, perante a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). De acordo com ela, se o médico está subordinado e não tem autonomia perante o empregador, está estabelecida uma relação de trabalho. Ela chamou atenção para a precarização das relações trabalho embutida nos contratos pela via PJ. “Hoje vendem a pejotização como algo moderno, mas isso não é moderno, isso é medieval. Trabalhar sem direitos não tem nada de moderno, é um retrocesso”, completou a juíza.
Para Joaquim Francisco Almeida Claro, o médico é o mais fraco e o hipossuficiente nesse modelo de relação de trabalho. “Nós somos obrigados a constituir PJ, o que causa inúmeros problemas. E esse é um problema ético para o qual os Conselhos de Medicina têm de abrir as portas; e, mais que orientar, monitorar e defender o médico”, completou.
Fonte: Cremesp
Fotos: Osmar Bustos e Luciana Cássia